Um singela homenagem ao grande Walter Bandeira
Belém, 6 de novembro de 2023 – Não é quinta-feira, dia do famoso #tbt, mas eu encontrei, sem querer, em uma pesquisa, um texto que escrevi em 2009, ano que perdemos a genialidade do grande Walter Bandeira, que faleceu em Belém-PA, no dia 2 de junho daquele ano, após complicações por um câncer no esôfago, aos 67 anos de idade.
O texto estava bem guardado no blog do Espaço Aberto, do colega jornalista Paulo Bemerguy, e eu nem sabia sobre isso. Encontrei o texto e agora divido com todos, em uma clara onda de nostalgia que me invadiu depois que o li. Esse texto foi publicado no jornal Amazônia, no dia 4 de junho de 2009, onde eu trabalhava e me arriscava em falar/ escrever, também, sobre cinema.
Para Walter Bandeira, ir ao cinema também era um ritual
Dedé Mesquita – jornal Amazônia
“A voz de Walter ‘The Voice’ Bandeira se calou. E se tem alguma coisa que não suporto na minha vida é ir em velório de qualquer tipo, ainda pior se for de amigo. A notícia da morte de Walter me pegou longe de Belém e em meio a muito trabalho. Mas, ontem cedo [3 de de junho de 2009], fui ao teatro Waldemar Henrique – onde as despedidas foram realizadas – para me despedir dele. Olhei, olhei e juro que Walter estava sorrindo. E falei para mim mesma: ‘seu safado. Por que decidiste ir tão cedo?’
Tudo que li, ouvi, vi sobre ele, depois de ontem, foi a valorização do quanto Walter era genial na voz. E quem conviveu com ele sabe que esse era apenas um dos muito talentos dele. Quem vai esquecer quando Walter, depois de muita insistência, decidiu mostrar seus trabalhos em artes plásticas? Foi um assombro para muitos, como eu, que não sabiam desse talento tão peculiar. Ele era bom. Imbatível na arte da aquarela. Bom como poucos.
Mas, se tem algo de que lembrarei de Walter, sempre, é o lado cinéfilo dele. Era bom ator e se arriscou no cinema, pelo que lembro, em duas vezes: numa ponta ótima em ‘Brincando nos Campos do Senhor’, de Hector Babenco, como um atendente de bar; e como o motorista de táxi, no episódio ‘A Moça do Táxi’, de ‘Lendas amazônicas’, de Moisés Magalhães & Ronaldo Passarinho Filho. Deste último, um detalhe. Walter não sabia dirigir, nunca soube. A produção teve que dar umas noções básicas só para ele fazer as cenas. E não é que ele quase bateu o carro? Essas foram as atuações, mas ele sabia muito sobre cinema.
Eu era tiete assumida dele, batia ponto todas as quintas-feiras no bar Maracaibo, e acredito que de tanto ele me ver na plateia, começou a me notar nas salas de cinema. Foi assim que nos aproximamos. Não era meu amigo, do tipo assim, pessoal. Era um amigo que me dava muita alegria ao vê-lo nas salas de cinema. Quando isso rareava e nos encontrávamos depois, ele dizia: ‘A senhora não está comparecendo à missa’. A missa, entenda-se, é como eu me refiro a ir ao cinema. Considero um ritual quase religioso.
Para Walter, cinema também tinha algo a ver com o ‘divino’. E falávamos, falávamos, colocávamos as nossas impressões e muitas das vezes tínhamos a mesma visão do que víamos.
“Calling You” fazia chorar – Me lembro nitidamente de como Walter ficou triste com o fechamento dos dois cinemas do antigo Doca Boulevard. Morador do bairro do Reduto, as duas salas eram quase extensão da casa dele, sendo que a primeira sessão era a sua favorita, já que a noite era dele nos palcos da vida.
Um dos últimos shows que assisti foi ele cantando temas famosos das trilhas sonoras do cinema. Ele no microfone e Jacinto Kahwage nos teclados. Num telão, cenas desses filmes. Walter cantando ‘Calling You’, tema do filme ‘Bagdad Café’, de Percy Adlon, era de chorar com tanta emoção.
E nos víamos, ultimamente, nas sessões do Cine Estação. Na verdade, nunca perguntei quais eram os seus favoritos, atores, diretores, atrizes. Ele gostava era de cinema, mesmo. Da magia que isso sempre traz às nossas vidas.
Ainda muito jovem comecei a ir aos bares para ver Walter cantar. Mas o Maracaibo era a sua casa ‘oficial’. De tanto ir lá, já era íntima de todos os garçons e até do motorista de táxi de todos os músicos, nosso querido Gabriel, que levava todos às suas casas depois de mais um ‘Walter Bandeira & grupo Gema’. Tanta intimidade que já chamávamos o bar de ‘mal eu caibo’. E Walter, chateado (p… para ser mais exata) porque tinha que cantar mais uma vez ‘New York, New York’, a pedidos. Mas ele cantava assim mesmo, e sempre dava show, claro que emendando-a com ‘Esse Rio é Minha Rua’, de Paulo André & Ruy Barata.
O grande e mais emocionante show de Walter, pra mim, foi um só com músicas francesas, no teatro Waldemar Henrique. Ele ‘inventou’ uma personagem, entrava em cena com um vestido estampado longo, com a bainha rota que carregava palitos de fósforo e ‘baganas’ de cigarro. E como (en)cantava esse rapaz. E como cantava tão bem Chico Buarque – e ‘Geni e o Zepellin’ ??
Vou sentir muita a falta dele, muita mesma. Como disse Manuel Bandeira no poema sobre Irene chegando ao céu: ‘entre, Irene (Walter), você não precisa pedir licença’.
Paz à alma dele”.